quarta-feira, 17 de agosto de 2011

Conto: Você saberia salvar uma vida?

Era só uma garotinha de sete anos. Seus colegas do colégio zombavam da garotinha pobre que havia perdido a mãe no parto. Empurravam-na e a faziam chorar com palavras cruéis sobre como eram seus cabelos e roupas, seu material escolar simples e humilde. Era uma das únicas que o pai ia buscar no colégio por não ter um carro.
Vivia uma vida simples. Não era aceita pela comunidade, não tinha bons modos, era desengonçada e magrinha de mais. Nem sempre tinha o que comer em casa. Seu pai trabalhava muito todos os dias, como pedreiro. Já estava velho e cansado e sentia-se triste pela filha não ter uma vida boa. Caroline era uma garotinha boa.
Ele a levou à escola e deu-lhe um beijo de despedida em sua testa. Disse para ela nunca deixar que alguém a maltratasse. Então, disse que a amava e partiu.
Ela estudava muito. Era o único luxo que se dava. Estava sempre carregando um livro da biblioteca.
O sinal tocou para o intervalo. Ela pegou seu livro e foi à procura de um cantinho onde pudesse terminá-lo. No meio do caminho, os garotos a interceptaram e jogaram seu livro no chão. Então, pela primeira vez, ela se enfureceu. Não deixaria que a tratassem mal novamente, por isso, partiu para cima dos três garotos que a irritavam. Eles se debatiam se estapeavam e até choravam. A professora, vendo a confusão, correu para apartar a briga. Os garotos foram para a sala de aula com o castigo de escrever “não devo bater nos meus colegas” no quadro 100 vezes. A garota foi para a diretoria.
Lá não era muito agradável. Os móveis eram todos escuros e a sala era mal iluminada. Ninguém falava nada. Depois de muito tempo, a bibliotecária, uma senhora que a adorava, foi conversar com ela. Não era fácil de explicar. A mulher falou com leveza e amizade com Caroline. Ao fim de tudo, a única coisa que ela sabia, era que seu pai estava morto. Deus o tinha levado dela, e agora, ele estaria no céu com os anjos e sua mãe.
Ela chorou. Derramou-se em lágrimas. Não tinha mais nada. Quem cuidaria dela? Quem a daria amor? Quem a abraçaria e diria que está tudo bem logo após ele voltar triste para casa porque a haviam chamado de feia? Será que ela ainda teria casa?
Seu mundo havia se despedaçado.

Sua nova casa era enorme. Cercada pelo verde da grama e das árvores. Os móveis caros enfeitavam a grande sala. Seu quarto novo, era rosa. Mas aquele não era seu lar.
Uma prima de seu pai a acolheu, mas não lhe deu amor. Era uma senhora rude e amarga viúva com um filho já adulto. Era chamada de Senhora Malévola.
O sonho de Caroline sempre fora ter um irmão mais velho, e Richard era um bom homem para ser chamado de irmão. Tinha apenas 19 anos. Dono de uma incontestável beleza e de um enorme coração. Era a única pessoa que conversava com ela, que a entendia e lhe dava carinho.
- Carol, - ele a havia dado um apelido no mesmo dia em que a conheceu – vamos dar um passeio lá fora – eles começaram a correr por entre as árvores. Era manhã, o sol estava magnífico no céu.
- Onde estamos indo?
- A um lugar que você amará!
E então pararam. A vista era deslumbrante. Haviam chegado à beira da praia. A água cristalina do mar estava iluminada pela luz solar que saía por trás dos morros e rochedos, fazia parecer um portal.
- É lindo aqui! – Ela estava maravilhada com tudo aquilo. – Nunca tinha visto o mar.
- Bem, então não perca tempo e entre nele!
- Mas vou molhar meu vestido.
- Acho que... – ele pegou um pouco de água que uma onda que acabara de se quebrar havia deixado para trás e jogou-a nela – você já molhou.
- Oh! Richard! – Ela riu e jogou água nele também.
- Ah! É assim?
Eles começaram uma guerrinha de água, ambos rindo. Ele a mergulhou no mar e ela sentiu o gosto da água.
- É salgada! Dá para temperar o arroz!
- Há! Há! Já temos sal o suficiente. E agora me deu fome. Vamos voltar para você se arrumar para o almoço.
- E você também!
- Sério? Poxa! Pensei em ficar no sol e esperar secar – ele fingiu uma cara séria.
- Não! Seu porco! – Ela riu.
- Sou porco? Ah, agora você vai ver sua garotinha – ele correu atrás dela. Eles riam enquanto atravessavam rapidamente as árvores para chegar à grande casa.
                Entraram molhados e correndo até que foram rendidos pela Senhora Malévola.
- O que fazem molhados em cima do meu carpete? – Seus olhos trasbordavam ira. Pronunciou as palavras pausadamente enquanto se levantava. Carol ficou com medo e se escondeu atrás de Richard.
- Desculpe-me, minha mãe. Fomos à praia hoje cedo.
- E deveriam entrar pelos fundos! – Ela gritava.
- Desculpe-nos!
- Subam! Sumam da minha frente, e que isso nunca mais se repita!
                Subiram as escadas correndo. Richard pôde ver as lágrimas nos olhos vermelhinhos de Carol ao pararem a porta do quarto dela. Então se agachou na frente dela e segurou suas mãos. – Não precisa chorar querida. Mamãe é assim mesmo. Mas não ligue para o que ela diz. Vá se arrumar e a esperarei lá embaixo. – Ele deu-lhe um beijo em sua testa e foi para o quarto. Ela também entrou no dela e fechou a porta, deixando toda a tristeza do lado de fora.

Os dias que se seguiram foram os mesmos. Os dois sempre brincavam pela manhã, antes do almoço. Um professor ia ensiná-la as matérias escolares a tarde, já que a primeira escola era à 56 km da casa.
Ela ainda não se sentia feliz. Sentia falta do pai e sempre rezava por ele. O único que confiava naquela casa era Richard, os outros a tratavam tão mal que às vezes desejava coisas ruins a eles, mesmo sabendo que era horrível pensar assim.
Alguns meses se passaram, e Richard partiria. Uma faculdade em outro estado o chamava. Era o começo do futuro para ele, e o término para ela.
Ele sabia que ela não ficaria muito bem sem ele. Mas ele também não podia ficar para sempre ali por culpa dela. Ele precisava viver sozinho, se desgarrar e começar uma vida independente, já crescera e tornara-se um homem.
Eles se despediram e ele partiu.
De manhã, ela ia à praia e chorava. Até que a Sra. Malévola proibiu sua saída.
- Só a suportava por culpa de meu filho molenga. Ele que insistiu para que você viesse para esta casa.
- Mas a senhora...
- Acha mesmo que eu gostaria que você, uma menininha maltrapilha, viesse para cá? Um ser tão insignificante? – A menina chorava e tentava conter os soluços. – De agora em diante trabalhará para mim. Ficará na cozinha com Arlete e se mudará para o quarto de empregados. Acabaram as aulinhas também. E não fique transitando pela casa. Sua presença é muito importuna para mim...
E assim começou o inferno na vida de Caroline.

Três meses se passaram desde que Richard chegara a sua nova casa. Estava namorando uma linda garota e muito bondosa. Até que um dia, conversando sobre sua antiga vida, Richard contou sobre Carol à sua nova namorada, Laura.
- Como pôde deixar a garotinha lá? Se ninguém gostava dela naquela casa e se sua mãe era tão cruel, ela não deve estar nada bem.
- E o que eu deveria fazer? Não agüentava mais minha mãe e não tinha como cuidar de Carol aqui. Nem me alojei direito ainda, e estou estudando e trabalhando. Não posso deixá-la sozinha aqui.
- E é certo deixá-la infeliz lá?
- Sei que não! Mas o que mais posso fazer?
- Buscá-la! Se não fizer, eu faço!
- Não é assim tão fácil quando pensa.
- É sim! Precisamos buscá-la. Até você se alojar direito pode deixá-la comigo e meus pais. Eles já estão velhos e não fazem mais nada a não ser jogar buraco e tricotar, uma garotinha deixá-los-ia felizes! E eu só estudo a noite. Posso ficar com ela o resto do dia, quando ela não estiver na escola.
- Não sei Laura. Seus pais...
- São ricos. Têm como sustentá-la, e lhe dar carinho ainda por cima. Vamos buscá-la! Sua mãe a tratava tão mal, como você disse, então ela nunca irá ser feliz lá! Ela pode se tornar uma péssima pessoa, como aquele carinha de O Morro dos Ventos Uivantes! E...
- O quê?
- E-eu sempre quis ser mãe – disse gaguejando.
- Sério? – Ele sorriu para ela – quero dizer, então tá. Vamos buscá-la.

Partiram no fim de semana e chegaram à tardinha. As luzes do quarto de Carol não estavam acesas como de costume e Richard sentiu medo. Entraram na casa e encontraram a Sra. Malévola tomando chá na sala.
- Onde está Carol – ele perguntou a mãe.
- Minha nossa! Não vai nem dizer “oi” a sua mãe?
 - Você me fez ir embora ao confessar que envenenou meu pai só para que ele não se separasse da megera que você é só para não perder a casa. Não sei como ainda fui burro para não entregá-la a polícia. Mas não vai demorar muito isso. E você não merece meu respeito ou meu cumprimento.
- Que seja! Se veio procurar a empregadinha, está em seu quarto. E eu não tenho medo de pirralho como você!
Ele foi logo subindo as escadas quando a voz de sua mãe o parou.
- Ela não está mais nesse quarto. Procure no quarto dos empregados.
- Sua... não há adjetivos para o que você é! Simplesmente má!
Ele correu atrás dela. Carol estava com roupas sujas e seus braços estavam machucados. Seu olho esquerdo roxo, e ela mal andava. Mas quando viu Richard, conseguiu abrir um sorriso tão largo, tão cheio de esperança que fez Richard chorar. Ele a abraçou com cuidado e ela também chorou, mas de alegria por novamente ver “seu irmão mais velho”.
Laura estava na porta do quarto observando a cena com os olhos já molhados.
- Nunca mais vou lhe deixar! Nunca mais, minha pequena – ele a segurava firme em seus braços. Era incrível como ele podia gostar tanto daquela garotinha. – O que fizeram com você? Eu nunca deveria tê-la deixado.
- Quem é ela? – Carol olhou para a porta.
- Sou Laura. Prazer em conhecê-la. Richard me falou muito de você.
- Obrigada – ela respondeu muito devagar e com dificuldades.
- Vamos embora daqui.
- Para onde, Richard? – Carol ainda estava com ele e já tinha parado de chorar.
- Para casa. Longe daqui.
Então foram embora. A menina foi direto ao hospital, enquanto Laura ficava a seu lado, seus pais compravam roupas novas para a menina. Richard ligou para a polícia e sua mãe foi presa por assassinato e maus tratos. Ele conseguiu a guarda de Carol e alugou um apartamento. Era provisório, até que ele conseguisse comprar uma casa, já que há pouco tempo, vivia nos quartos da faculdade.
- Já está tudo se ajeitando, porque não uma família completa? – Era noite e ele e Carol foram jantar na casa dos pais de Laura.
- Como assim? – Laura perguntou.
- Laura, você é perfeita! Salvou a vida de Carol e me abriu os olhos para tanta injustiça. Ajuda-me e dá apoio sempre que preciso. Diz que quer uma família, ser mãe. Por isso... – ele se ajoelhou na frente dele e tirou do bolso, uma caixinha vermelha – quer se casar comigo?
Ela ficou surpresa e muito feliz. Sorria ao ver um lindo anel sair de dentro da caixinha. – Quero! – ela respondeu e ele colocou o anel em seu dedo, finalizando com um romântico beijo.
Sim, era uma família.
Carol estudava na parte da manhã e a tarde ficava com os pais de Laura, que lhe imploravam para serem chamados de avós. À noite, voltava para casa, Laura lhe fazia um delicioso jantar e lhe contava histórias.
Seus amigos da escola gostavam dela e sabiam de toda a história. A achavam incrível por ter sobrevivido a tudo e ter conseguido ser o que era, uma boa garota e muito amada.
Nos fins de semana, ela e sua nova família passeavam e se divertiam. Eles a amavam e, ela era feliz. Salvaram sua vida e lhe reconstruíram-na.
E você, saberia salvar uma vida?


                                            Ariel Miranda.

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